9 de ago. de 2010

Um olhar sobre o mosaico urbano ou Cidade Mosaico

Diogo Chagas Lima

            A cidade se estende como um grande mosaico formado por coisas diferentes. Olhos, ouvidos, narizes, mãos e peles transpiram o imenso mosaico e se entrelaçam como um só no centro da cidade.
            As cores, os cheiros, as texturas, os sons, todo o espaço ao redor confirmam o que é real na cidade. Mas esta rapidamente se estilhaça como num mosaico se observada com atenção. É na fluidez do tempo que o mosaico da cidade se materializa.
            Os sentidos entram em explosão no compasso tênue do tempo marcado por ruínas antigas, trânsitos caóticos, tardes chuvosas, desencontros. O antigo e o novo se cruzam no mosaico de tradições e tecnologia, carroças, carros modernos, terreiros, lan houses. Dos bordéis ao interior das igrejas, das trevas para a luz via satélite.
            Na cidade o tempo atravessa o pensamento. A poeira se espalha entre ruas e olhos vazios na periferia em contraste com a profusão das ruas do centro onde se pode comprar e vender quase tudo. A profusão é sentida na pele mergulhada num mosaico de sensações.
            Corpos suados, dentes trincados, gritos guturais e sussurros dentro de quartos abandonados. Olhos mergulhados em angústia e entorpecimento espiam pelas brechas da luz do dia. No final das contas não enxergam a cidade que a tudo consome num mosaico próprio. Bocas se abrem provando a acidez do ar e sarando as chagas ao final do dia. A noite então sorri anunciando uma exaustão.
            Redes de ruas abandonadas e construções suntuosas, pessoas de pele escura e cabelos loiros. Entrelaçam-se diversas origens: mulheres jovens, brancas, avermelhadas, negras, amarelas, índias saídas direto das aldeias. Compõem uma paleta de cores infinitas e potencializadas pelas próximas tecnologias de desejos. Estas são as sensações que se misturam na cidade.
Em alguns lugares o trânsito circula lentamente e o cheiro do suor paira no ar, é claustrofóbico. Em outros rapidamente e o suor seca, os deslocamentos são ordenados. Vendedores ambulantes gritam entrecortados por tramas de ruas, carregam mosaicos de objetos plásticos pendurados e costurados cirurgicamente no corpo. Desviar-se cruzando as passagens entre eles é como tentar encontrar a saída de um labirinto. No portal de saída se posta um Shopping Center.
            Fugir para o Shopping é como sofrer um choque climático e sonoro. O barulho dos motores é sobreposto pelo barulho de vozes. Uma colagem frenética de sons e desejos ao alcance dos sentidos. Pode-se comprar e vender quase tudo como nas ruas. O impossível está ao alcance dos olhos e disponibilizado nas prateleiras. O trânsito é ordenado em lojas, prateleiras, guichês, elevadores, escadas como num ritual de passagem contido.
            O mosaico da cidade pode ser visto como um lugar em transformação constante. As pessoas se dispersam nas periferias e se concentram nos centros. Estes deslocamentos produzem rupturas no pensamento formando o mosaico urbano. Algumas imagens produzidas por essas rupturas: entulhos em chamas no meio das ruas e arquiteturas suntuosas.
            As ruas se afunilam cada vez mais. Formam mosaicos sobrepostos. As pessoas passam carregando coisas diversas. Passam bem rápido e se cruzam em texturas de corpos, máquinas, barulho e poeira. O mosaico se insinua como num espelho estilhaçado.
            Talvez Van Gogh olhasse detidamente para dentro do mosaico da cidade, saído das sombras de uma rua estreita, usando roupas simples e sandálias. Tudo está ali: a atmosfera vibrante, os instantâneos da cidade, as contorções, os exageros, a expressão da cidade recortada num mosaico de cores, tons, semitons. Andarilhos cruzando as ruas e tudo se tornando instável e dinâmico. A natureza se formando na existência do ser do agora. Na instabilidade de variações do mosaico da cidade.
Novas invenções no presente potencializam os desejos de pessoas que passam pela cidade sonhando com um corpo perfeito. Poderiam até querer modificar freneticamente o corpo inteiro. As peles na cidade são mais bronzeadas pelo sol ou artificialmente, os cabelos mais brilhantes, os corpos construídos por intervenções cirúrgicas ou próteses. Gestos se confundem com o movimento de robôs.
Na cidade tudo se apresenta mais exagerado e sobrecarregado. Corpos e mentes se movem na rapidez do tempo formando, com nervos ansiosos, recortes no mosaico da cidade. O exagero descarado está no trânsito rápido, na dor, no abandono, nos desencontros, na poluição, na humilhação. Nas roupas, cabelos, falas e trejeitos colados da TV. Na calçada estilhaçada em pedaços. No cheiro de carne crua pairando no ar. Nos entulhos espalhados nas ruas. Nos gritos entrecortados no ar. Nos pântanos a espera de mais corpos.
Talvez na “cidade mosaico” os nervos não sejam delicados e as sensibilidades profundas, mas as texturas e as cores são muito intensas. Os rostos olham instáveis com pele enrugada cheia de linhas ou marcas de suor. Uma vontade tremeluzente de livrar-se da dor e da incerteza do viver. Potencializada pelo vazio de sentidos da vida citadina. A “cidade mosaico” não acolhe, apenas consome os habitantes.
Os olhos se aproximam emergindo da sombra de um beco de rua antigo e destroçado, cabelos coloridos, corpo esculpido e seios fartos, sussurram chamando e ao olhar para eles desaparecem em fade out.
                       
            *Texto entregue à Disciplina Arte no Espaço Urbano em 09/08/2010.

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