Daniely Meireles*
Espasmos, desespero e um pouco de tosse. A cabeça lateja em meio ao alvoroço das ruas. Passeio tentando encontrar Zaíras, Anastácias, Tamaras, Irenes, mas o corpo dói um pouco. O olho mergulha num plano de possíveis curas. As janelas, o amontoado, as coisas já não pedem mais a exatidão do tempo e do espaço; buscam agora novos meios de afetar, mesmo que tardiamente, o pensamento passivo dos que passeiam em paralelepípedos de passado e poeira, aqueles que acreditam em seus discursos empobrecidos de glória colonialista. Pobres coisas. O corpo e a cabeça doem e começo a chegar em cidades-outras; cidades onde o cheiro de enxofre e os contrastes de claro-escuro constroem cenários de eloqüência subversiva, desejos profanos; vontades diversas. Vejo o universo de Caravaggio pintado em óleo sobre uma tela de pele. Não sinto aqui o frescor matutino de um dia de chuva, somente o hálito quente das cidades que nunca dormem. As cidades do acaso começam a ensaiar sua dança. Pessoas amarelas, azuis e vermelhas até tentam encontrar um lugar pra dormir, mas não existe lugar seguro nas cidades de muros sulfúricos. Ao correr alguns metros, entro no plano de imanência de uma outra cidade que não tem nome. Chamo-a cidade e começo a flertar com seu corpo e seus olhos. Um corpo volátil, mas presente e forte. “Quando começa o tempo e onde termina o espaço?”. Pergunto com um olhar carinhoso. Ela responde com suas cicatrizes. Apesar de luminosa, a cidade possui um breve sinal de cansaço, como se o tempo e o espaço vivessem a comê-la sofregamente, num gesto impensável de luxúria. A luz embriaga, extasia, mas causa uma cegueira momentânea. Cegueira que não me permite enxergar sua morte. Tateio, triste, e saio então da cidade-luminosa-de-dias-poucos. Desperto em meio à paisagem cinzenta das mangueiras. A gente caminha e o silêncio caminha comigo fazendo as obrigações de marido companheiro. Cenário amarelo, calor insistente, faixas, asfalto, concreto e muita, muita carne. Os passos escalam ruínas de vapor embriagante. A razão procura um poste para apoiar a vertigem. Um calafrio percorre a espinha e sinto frieza ao ver um estupro: é a marca entrando com tudo na cidade toda aberta; ela gosta e a mão continua socando. Os músculos pulsam em movimentos rápidos. O suor derrama. A mão soca. A cidade goza um gozo vermelho. Os líquidos espirram. A Cidade-Real goza. Agradece ao estupro. Olha maliciosamente. Sorri. E finalmente descansa. Os passos fogem querendo um refúgio. A realidade persiste, mas o plano de imanência continua. “Quando começa o tempo e onde termina o espaço?
* Texto entregue à Disciplina “Arte no Espaço Urbano” (Prof. Dr. Luizan Pinheiro) – Em 18/05/2010
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